

Todos esses fatores estão profundamente inter-relacionados. O primeiro está nos níveis social, político e econômico do continente africano. É importante notar que o setor do cacau não é o único a enfrentar essa situação difícil. Há uma enorme lacuna entre o que os produtores de cacau na África recebem e os lucros das grandes empresas de chocolate em todo o mundo.
Basicamente, o problema é que muitos produtores de cacau na África ganham cerca de US$ 2 por dia, uma situação que obriga os proprietários rurais a empregar mão de obra infantil, muitas vezes de suas próprias famílias e, às vezes, de crianças imigrantes sem documentos contratadas exclusivamente para trabalhar nas fazendas de cacau. Um estudo realizado por uma universidade nos Estados Unidos revelou que, em 2019, havia 790.000 crianças trabalhando em plantações de cacau.
A situação do trabalho infantil nas plantações de cacau aumenta os perigos do trabalho nesses locais, onde os trabalhadores devem usar ferramentas perigosas e produtos químicos nocivos sem nenhuma precaução de segurança, tudo com o objetivo de reduzir os custos de produção.
As condições precárias de trabalho são agravadas pelo desmatamento causado pela expansão das plantações de cacau. Segundo dados do blog Mon Planeta, 40% do desmatamento em áreas protegidas é causado pelo cacau, o equivalente a 1,5 milhão de hectares de floresta perdidos desde 2000.
A realidade do desmatamento de florestas nativas na África fica mais bem compreendida quando observamos os níveis de pobreza extrema nesses países, onde os produtores de cacau, buscando aumentar sua renda, recorrem ao corte de árvores nativas em suas áreas para plantar cacau e assim aumentar a quantidade de grãos que podem vender.
Esses dois fenômenos podem e devem ser enfrentados por meio da adoção de políticas de proteção às crianças e às florestas. No entanto, o problema é mais profundo e não será resolvido apenas com a adoção de políticas de proteção. A raiz do problema é a pobreza, e ela só será resolvida se o valor recebido pelos agricultores pelos grãos de cacau aumentar o suficiente para que possam viver com dignidade e empregar pessoas em condições adequadas.
Por outro lado, existe um problema decorrente da falta de insumos químicos para o tratamento de pragas nos cacaueiros. Isso ocorre porque os cacaueiros têm um longo período de produção e, portanto, as empresas responsáveis pela produção de fertilizantes, sementes e pesticidas não estão interessadas em se concentrar no desenvolvimento de bioquímicos que contribuam para o cuidado dessas plantações, visto que sua rotação de culturas é relativamente limitada.
Assim, os produtos químicos atualmente disponíveis no mercado são perigosos e muito caros, dificultando o acesso dos agricultores aos insumos necessários para manter suas plantações em ótimas condições. Por esse motivo, é cada vez mais comum encontrar plantações com árvores doentes que produzem cacau impróprio para venda.
Esse problema com insumos químicos agrava o problema do desmatamento, pois quando plantações inteiras são atacadas por pragas ou doenças, os agricultores recorrem ao desmatamento de florestas nativas para iniciar novas plantações.
A expansão das plantações e o desmatamento de florestas nativas representam um grande problema ambiental e frequentemente não resolvem os problemas de produção, pois, uma vez plantado, o cacaueiro leva de três a cinco anos para crescer o suficiente para produzir frutos maduros. Portanto, não é uma cultura que possa ser implementada a curto prazo.
Além disso, trata-se de uma árvore que produz apenas duas safras por ano: uma safra principal, com maior quantidade de frutos disponíveis, e uma safra intermediária, na qual o volume de frutos diminui. Portanto, também constatamos que o cacau é um produto sazonal, cujas flutuações de preço não são compensadas pelo mercado final de chocolate.
O problema com a sazonalidade e os longos tempos de maturação do cacaueiro é que muitos dos hectares que atualmente produzem o cacau exportado para chocolate têm árvores com mais de 20 anos e não estão mais em seu estado ideal de produção, reduzindo assim a quantidade de grãos disponíveis.
Todo esse problema é seriamente agravado pelas mudanças climáticas, que têm impactado negativamente as plantações de cacau, especialmente na África. Para entender isso, é importante saber que o cacau é uma árvore nativa da América do Sul, portanto, as condições climáticas adequadas para ele são bastante específicas: requer pouca chuva e pode suportar curtos períodos de seca.
Atualmente, as condições climáticas no continente africano são muito diferentes e não atendem às necessidades dos produtores de cacau. Chuvas excessivas têm sido observadas em certas estações do ano, enquanto secas excessivas também têm afetado a produção de cacau. Assim, é possível entender que, embora as mudanças climáticas não sejam a principal causa da crise do cacau, são um de seus fatores agravantes.
Este artigo tem como objetivo explicar de forma clara e simples as raízes profundas da atual crise no setor do cacau, que levou a um aumento significativo nos preços do chocolate. É importante compreender que esta crise vai muito além dos efeitos das mudanças climáticas, pois é o resultado de um conjunto de situações e problemas que se desenvolveram ao longo do tempo. As mudanças climáticas são apenas um dos fatores que agravam esta situação.
Buscamos também conscientizar sobre essa situação, entendendo que por trás do aumento do preço do chocolate estão profundas crises sociais e econômicas que afetam a vida de centenas de milhares de pessoas em países como a Costa do Marfim e Gana, onde agricultores recorreram até mesmo ao trabalho infantil para sobreviver em um setor assolado pela produção em massa. Isso torna cada vez mais difícil atender ao nível de produtividade exigido pelo mercado, o que não só impacta as pessoas, mas também o meio ambiente.